segunda-feira, 2 de março de 2009

Aprender a apreciar um vinho

Aprender a apreciar um vinho

Uma conversa com Rui Chavinha, consultor e formador na área dos vinhos.

Assume-se como um formador do gosto; alguém que procura transmitir aos outros o entusiasmo e fascínio que o mundo dos vinhos lhe desperta. Rui Chavinha, consultor e formador na área dos vinhos, fala-nos desta matéria com entendimento e sem mistificações. Para este especialista, apaixonado por vinhos portugueses, apreciar é, antes de mais, uma questão entre dois opostos: “gosto ou, não gosto”. A regra de ouro é não complicar e, acima de tudo, provar. O mundo dos vinhos é vasto, mas com método e orientação o mero curioso pode tornar-se num “entendido”.
Rui Chavinha fala por experiência própria. O interesse por vinhos surgiu na sua vida como uma “evolução natural”. Com o interesse veio a especialização e a troca de experiências com enólogos e produtores.
Rui Chavinha traduz-nos o seu conhecimento em conselhos práticos. O tom da conversa é informal e os vinhos apresentados como amigos que não precisam de convite para entrar.

É comum ouvir dizer que “Portugal é um país de vinhos”. É um país de bons vinhos?
Portugal é um país que tem tudo para produzir bons vinhos e, ultimamente, tem conseguido fazê-los. Durante muito tempo tivemos a arrogância de achar que só por ser um vinho português era bom. O problema era considerar que só nós fazíamos bom vinho.
É indiscutível que temos microclimas fantásticos para fazer vinhos excepcionais. Dou um exemplo: quem faz um bom Vinho do Porto que é uma bebida de elevada qualidade pode, certamente, fazer grandes vinhos tintos.
Os vinhos portugueses têm um carácter distintivo. Bebo um vinho do Dão, da Bairrada e do Douro e reconheço-os em qualquer lado.

Temos, então, todos os ingredientes. O que tem faltado para dinamizar os vinhos portugueses?
Faltou até agora um saber fazer, programação e espírito aberto. Antes, fazíamos vinho porque como ouvíamos dizer no tempo da ditadura “dava de comer a um milhão de pessoas”.
Para os vinhos maduros não tínhamos as vinhas em condições, nem as castas certas nas regiões certas. Apostava-se em muita quantidade mas em pouca qualidade.
Os vinhos portugueses não eram conhecidos além fronteiras. Para promoção externa só fazíamos o Vinho do Porto.

É um problema de dimensão?
Procedíamos com o vinho tal como com o turismo. A promoção fazia-se em torno do Sol e do clima ameno. A aposta assentava na generosidade da natureza. Com o vinho era a mesma coisa. As vinhas existiam e fazer vinho era uma consequência dessa realidade.
De há cinco a dez anos a esta parte começámos a pensar em fazer bons vinhos. Falta, no entanto, a tal dimensão. Retalhamos as áreas de vinha e fazemos produções muito pequenas. O que acontece? As marcas não se conseguem internacionalizar, pois produzem pequenas quantidades só para consumo interno. Dou um exemplo: no Alentejo há um conjunto de produtores que fazem vinhos muito semelhantes. Há vantagem em que se unam e concorram com uma marca forte no estrangeiro.

Concentremo-nos no vinho. O que faz um bom produto?
O bom vinho resulta da combinação de muitos factores naturais e, claro está, humanos. Repare, a mão humana está em todo o processo, desde a preparação da terra, à selecção de castas, ao tratamento da vinha, à vindima, à produção em si. Basta que um dos elos da cadeia falhe, para que um vinho potencialmente bom se torne num vinho mediano. O consumidor não deve medir a qualidade do produto pelo preço ou outros critérios subjectivos. Temos bons vinhos desde os dois ou três euros. É claro que não são os vinhos de excelência.

Vinhos e comida são duas realidades indissociáveis?
Há poucos prazeres na vida tão compensadores como associar a boa cozinha a um bom vinho. Assistimos hoje em dia à tendência das pessoas pensarem no que vão beber e, depois, no prato que melhor se adequa. O vinho, assim visto, é um acto cultural.

O que é fundamental saber quando se combina vinho e comida?
È tudo uma questão muito pessoal, mas é essencial saber distinguir as diferenças entre os vinhos das varias regiões. Depois tentar conjugar a comida com o vinho que achamos mais indicado. Por exemplo, um prato forte exige um vinho complexo e igualmente forte.

A experiência é importante para se conhecer um bom vinho?
No fundo é importante não ter receio de errar. O fundamental não são os cursos que se fazem sobre vinhos é aprendermos a sentir a bebida. E, aqui, a regra de ouro passa por saber colocar uma pergunta muito simples: “Soube-me bem, não me soube bem?”. O tempo leva à descoberta. É uma aprendizagem. Um bom primeiro passo é escolher, durante um mês ou dois, uma garrafa de cada zona de vinhos portuguesa. Há que saber distinguir os sabores entre um Dão, um Alentejo, um Ribatejo, um Sado, um Bairrada, por ai fora. Cada região tem características próprias que podem ir mais ou menos de acordo ao gosto do consumidor. Depois de escolher uma região, devemos experimentar diversos produtores.
Tal como disse atrás não nos devemos influenciar pelo preço.

Um vinho enriquece com a idade?
Regra geral não. Diria que guardar um vinho muito tempo é mau investimento. Isto porque hoje em dia temos bons vinhos a sair todas as semanas. Logo, qual a vantagem de guardar quando podemos experimentar? Por outro lado, o vinho passado um ano ou dois não vai melhorar as suas características. Temos que entender que o vinho é um organismo, uma bebida em mutação.
Já um Porto é diferente. Modifica-se, sem perder qualidade.
Gostaria de alertar para dois pontos relacionados com o consumo e que, regra geral, merecem pouca atenção. Em primeiro lugar, o copo. Para se apreciar convenientemente um vinho é preciso um bom copo. Este deve ter um pé alto, uma base larga, uma boca fechada e, quanto mais fino melhor.
Por outro lado um vinho com dois ou três anos precisa, quando é aberto, de respirar por meia hora a 45 minutos. O vinho necessita oxigenação.

O vinho prova-se, mas também se cheira e olha…
Cheiramos um vinho para saber, através do olfacto, se este se encontra em condições. Grande parte do prazer que se tira de um vinho é o olfacto.
Quanto ao olhar serve-nos para captar diferentes características: ver a lágrima, a cor, se o vinho é mais rubi, mais carregado, mais concentrado, mais ligeiro.

A prova é um processo complexo?
Depende se é um técnico ou um mero consumidor. Para este último o essencial é tentar perceber que sentidos nos desperta a prova, desde a fruta aos cheiros, se termina mais
longo. Se é redondo ou um pouco mais adstringente.

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